quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Tea Party à brasileira


Tea Party é um movimento norte-americano de extrema direita, que tem o nome inspirado no motim de 1773 feito pelos colonos americanos que, descontentes com os impostos do governo britânico, jogaram cargas de chá no porto de Boston. Esse movimento ultra-conservador surgiu após a derrota dos republicanos frente aos democratas na eleição que sucedeu George W. Bush e que o democrata Barack Obama venceu o republicano John MacCain. A conservadora ex -governadora do Estado do Alasca, Sarah Palin, vice de MacCain na época, após perder a eleição para Obama despontou como ícone desse movimento da ala ultra-conservadora do partido republicano que se posiciona contra as políticas do governo Obama e também são contra os direitos dos homossexuais, contra o aborto, os imigrantes e carrega forte ranço racista e xenofóbico. Nas recentes eleições legislativas no EUA, os representantes do Tea Party entraram como vencedores no congresso norte-americano ao conseguirem eleger 2 senadores ultra-conservadores e o partido republicano ter conquistado maioria na Câmara dos Representantes.


Movimento similar ao Tea Party também vem acontecendo no Brasil e já no primeiro turno da eleição presidencial poderia ser observado, mas se torna mais evidente no segundo turno. Essa força conservadora pode também ser notada através das reações de alguns grupos após o resultado final das eleições em que saiu vencedora a candidata Dilma Rousseff. Nas recentes eleições brasileiras as forças conservadoras também se fizeram presentes se posicionando contra a legalização do aborto, contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Defenderam também a participação das igrejas na política e defenderam a liberdade de crença e de expressão como se elas corressem algum risco caso a candidata petista fosse eleita, mesmo que em nenhum momento a candidata petista tenha se pronunciado contra essas liberdades que são garantidas pela Constituição Federal. O candidato José Serra para alegria dos ultra-conservadores chegou a se comprometer, dizendo que caso eleito, vetaria o PLC 122/2006 que tornaria crime atos de discriminação motivados por orientação sexual.


Também se ouviu muitas manifestações em defesa da liberdade de imprensa, principalmente por parte daqueles meios de comunicação que se posicionaram a favor do candidato José Serra e que usaram a grade de suas programações e espaços de publicação como extensão do horário eleitoral do candidato peessedebista. O jornal Estado de São Paulo nem fingiu imparcialidade, mas assumiu formalmente em editorial o seu apoio à candidatura de José Serra. Outros meios de comunicação como Rede Globo e Globo News, Folha de São Paulo até fingiam certa imparcialidade, mas ficava claro a preferência e o apoio de vários jornalistas e comentaristas desses meios de comunicação pela candidatura tucana. No auge de uma onda de boataria e calúnias a respeito do aborto espalhadas na internet contra a candidata Dilma Rousseff, a revista Veja que em edição anterior já havia defendido a legalização do aborto, lançou matéria de capa mudando de posição onde claramente tentava relacionar o aborto a então candidata.

Veja edição 2186 09/10/2010 (contra o aborto) - Edição 17/09/1997 (a favor do aborto)

A polêmica sobre o aborto ter sido colocado em voga com certeza se deu pela existência de duas mulheres concorrendo à presidência da República. Mesmo com personalidades, pensamentos e histórias de vida distintas, a presença de duas mulheres entre os três candidatos com maior possibilidade para alcançar a presidência do Brasil contribuiu para que o aborto e a questão de gênero e suas implicações se tornasse um tema na campanha, mesmo que por certa imposição da campanha adversária. Se fossem apenas homens concorrendo à presidência da República com certeza o aborto não teria entrado em discussão. Mesmo que a questão de gênero não tenha sido colocada como tema central da campanha eleitoral, não há como negar que no segundo turno era uma mulher que concorria com um homem ao mais alto posto do executivo brasileiro e a então candidata Dilma não passou incólume pelo machismo e pela misoginia que infelizmente ainda se encontra presente na sociedade. Até mesmo a orientação sexual da candidata foi especulada quando vários boatos se espalharam na internet acusando Dilma de *“homossexualismo”. Espalhar boatos como esse é uma tentativa vil de usar o próprio preconceito existente na sociedade como forma de se obter vantagens. Usar a orientação sexual lésbica como se isso desabonasse uma mulher é algo abominável e constitui num duplo preconceito, a lesbofobia e o machismo juntos. Todo preconceito pode e deve ser combatido e não incentivado e usado como forma para alcançar qualquer benefício.


A candidata evangélica Marina Silva ter ficado em terceiro lugar no primeiro turno e ter conquistado uma quantidade considerável de votos, inclusive dos evangélicos, contribuiu para que a questão religiosa se tornasse mais acirrada no segundo turno da campanha. Afinal, os dois candidatos que passaram para o segundo turno disputaram esses eleitores que no primeiro turno havia votado na candidata do Partido Verde. Mas é notório que a campanha tucana também se esforçou para manter em voga os temas do aborto, do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a questão religiosa no segundo turno e fez uso desses temas com o intuito de atingir a candidata adversária e obter os votos dos eleitores mais conservadores. Muitos boatos foram “plantados” relacionando o aborto à candidata petista e segundo notícias, a campanha de José Serra chegou até mesmo a contratar um serviço de telemarketing para ligar para eleitores dizendo que a candidata Dilma era favoráve ao aborto. A questão do aborto envolveu e expôs até mesmo a esposa do candidato José Serra que segundo relatos havia dito num comício do marido que a candidata Dilma era a favor de “matar criançinhas”. Após a divulgação desse fato, ex-alunas da esposa do candidato do PSDB revelaram por uma rede social que em aula a ex-professora Mônica Serra já havia revelado ter feito um aborto no tempo em que vivia no exílio com o marido.

O ítem 5 da Carta trata do PLC 122. Clique na imagem para amplia-la

Contra a onda de denuncismos, Dilma chegou a divulgar uma carta defendendo a liberdade religiosa e se posicionando contra o aborto, mas dizendo que sancionaria o PLC 122/2006 caso seu texto não fira a liberdade de crença e expressão, o que comprovadamente não fere. O candidato do PSDB por sua vez estabeleceu alianças com as alas mais conservadoras da Igreja evangélica e chegou a colocar em seu programa eleitoral na TV dois pastores evangélicos ultraconservadores pedindo votos para ele. Um desses pastores que José Serra colocou em evidência para todo o Brasil em seu horário eleitoral é o já conhecido e ultra-homofóbico Silas Malafaia que destila todo o seu ódio contra homossexuais em seu programa televisivo bem como em outdoors afixados nas ruas. No fim da campanha, José Serra se alinha completamente com as ideias de Silas Malafia e se posiciona contra o PLC 122/2006 que criminalizaria a homofobia e prometeu veta-lo caso fosse aprovado pelo Senado onde hoje tramita.


Além da imprensa que entrou fortemente com defesas claras do candidato José Serra do PSDB, as Igrejas católicas e evangélicas também se fizeram muito presentes na campanha eleitoral brasileira. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) chegou a lançar um panfleto pedindo para que os fiéis não votassem em Dilma Rousseff dizendo que ela seria favorável ao aborto. Em claro sinal de aprovação ao panfleto lançado pela CNBB contra Dilma, o papa Bento XVI já no final da campanha do segundo turno defendeu a participação da Igreja nas questões políticas e pediu para que os bispos brasileiros orientassem seus fiéis na política.

Panfleto da CNBB orientava eleitores a não votarem em Dilma - Clique na imagem para ampliá-la
Foi o resultado final da eleição presidencial onde Dilma Rousseff saiu vencedora que mais demonstrou o quanto essa onda conservadora e preconceituosa que recrudesceu com as eleições se mostrou presente no Brasil. Logo após a divulgação do resultado final das eleições e mesmo pesquisas mostrando que a candidata do PT venceria mesmo sem os votos da região nordeste, um grupo de eleitores insatisfeitos com a derrota do candidato José Serra iniciou no Twitter, Facebook e Orkut uma campanha xenofóbica, racista, digna de neonazistas difamando o povo nordestino. Além de frases racistas, xenófóbicas e difamatórias que pediam a separação do Nordeste e Norte do restante do Brasil, os inconformados com o resultado das eleições acusavam os nordestinos por supostamente terem elegido Dilma Rousseff por causa do programa bolsa família. A estudante de direito Mayara Petruso foi além das ofensas e das inúmeras tentativas de inferiorização do povo nordestino e postou a seguinte frase em sua página no twitter “Nordestino não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!”, em sua página no Facebook postou “AFUNDA BRASIL! Deem direito de voto pros nordestinos e afundem o país de quem trabalhava para sustentar os vagabundos que fazem filho para ganhar o bolsa 171”




A universitária está sendo processada e responderá pelos crimes de racismo e incitação pública de ato delituoso, no caso, homicídio. Mas é importante constatarmos que Mayara Petruso não estava só, afinal foram centenas de pessoas que postaram nas redes sociais conteúdos preconceituosos contra os nordestinos logo após a confirmação da eleição de Dilma Rousseff. A repercussão foi tamanha que motivou até a criação do **Tumblr “Diga não à xenofobia” com o objetivo de expor as manifestações preconceituosas contra os nordestinos após o resultado da eleição. Essa onda xenófoba e racista orquestrada por jovens de classe média paulista e das regiões sudeste e sul do Brasil pode ser vista como o reflexo de uma imprensa tendenciosa, de pseudo-programas humorísticos como CQC, Casseta e Planeta, Pânico, dentre outros que influenciam negativamente na formação ética e cidadã desses adolescentes e jovens adultos. Muitos desses adolescentes e jovens e até mesmo adultos internalizam a ideia desses pseudo-programas de humor de que não há limite para se fazer piadas e chacotas preconceituosas e discriminatórias contra tudo e todos. Com uma noção de “vale tudo” e “pode tudo” fruto de uma ideia distorcida de liberdade de expressão e com a certeza de impunidade é que surgem atitudes racistas, xenófobas como as que assistimos agora contra nordestinos após as eleições e também de atitudes homofóbicas e desrespeitosas que são recorrentes contra homossexuais nesses programas e em grande parte da imprensa.


Inseridos numa cultura onde liberdade de expressão e crença muitas vezes é confundida com direito para discriminar impunemente – ideia muito difundida por religiosos ultra-conservadores que condenam e incitam o ódio contra homossexuais -, muitos adolescentes, jovens e adultos teem se alinhado com ideias das alas conservadores das Igrejas, de políticos e líderes conservadores que se posicionam contra os direitos civis e que pregam a intolerância. Esse contexto, somado a influência do “vale tudo” dos programas humorísticos onde seus redatores e pseudo-humoristas se escondem atrás do humor e da irreverência para discriminar, não resultaria em algo muito diferente desse movimento ultra-conservador que vem tomando corpo no Brasil principalmente após a campanha presidencial de 2010. Não há como negar que esse movimento brasileiro similar ao Tea Party norte-americano não tenha sido influenciado de alguma maneira pelos movimentos cristãos fundamentalistas e pelas forças ultra-conservadoras que se uniram em torno da candidatura do PSDB e do DEM à presidência da República.


Precisamos permanecer em alerta contra essa onda ultra-conservadora de extrema direita que vem conquistando corações e mentes também no Brasil e não nos calarmos diante dela. Podemos e devemos fazer uso das leis anti-racismo e anti-discriminação existentes e denunciarmos atitudes preconceituosas que tem promovido agressões verbais contra negros, nordestinos e homossexuais nas redes sociais. Os militantes LGBT precisam também urgentemente pressionar o Congresso Nacional para que seja aprovada o PLC 122/2006, que pode não acabar com o preconceito contra as homossexualidades, mas com certeza contribuirá para que os crimes motivados por razão de orientação sexual não permaneçam impunes.


*O termo correto é homossexualidade. O termo homossexualismo é arcaico e foi usado apenas num contexto em que a homossexualidade era considerada doença. 

** Diga não à xenofobia
http://xenofobianao.tumblr.com/

Outros links sobre o tema:


A vitória de Dilma e a falsa tese do "país dividido"
http://www.idelberavelar.com/archives/2010/11/a_vitoria_de_dilma_e_a_falsa_tese_do_pais_dividido.php


O preconceito que se esconde por trás do mapa vermelho e azul
http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/o-preconceito-que-se-esconde-por-tras-do-mapa-vermelho-e-azul.html


Movimento Tea Party e o fascismo à brasileira
http://www.blogcidadania.com.br/2010/11/movimento-tea-party-e-o-fascismo-a-brasileira/

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