quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O que Barack Obama pode ensinar para Dilma Rousseff, José Serra, Marina Silva e alguns políticos religiosos fundamentalistas brasileiros


Por um Estado laico de fato!

Num momento em que a eleição para Presidência da República do Brasil se desencaminha para o que mais parece um plebiscito, onde temas como o aborto e a união entre pessoas do mesmo sexo serão decididos pela camada religiosa da população, recupero esse discurso sobre Estado laico proferido pelo presidente democrata Barack Obama quando ainda era senador. Espero que esse brilhante discurso sobre a laicidade do Estado, feito em um templo da igreja “Chamada para a Renovação” nos Estados Unidos, sirva de inspiração e aprendizado para muitos brasileiros e seja esclarecedor tanto para aqueles que decidirão em alguns dias quem governará o Brasil pelos próximos 4 anos, como também para todos aqueles políticos eleitos como prefeitos, vereadores, governadores, senadores, deputados estaduais e federais chegando ao presidente ou presidenta da república. Vivemos em um Estado laico e é obrigação de seus governantes preservarem e cumprirem esse princípio fundamental para a democracia. O discurso de Obama trata da realidade dos Estados Unidos, mas serve também para o Brasil que apesar de ser considerado um Estado laico ainda existe muita interferência das religiões nos assuntos do Estado. Esse é o famoso discurso de Barack Obama sobre o Estado laico:

“Dada a crescente diversidade da população dos Estados Unidos, o risco do sectarismo nunca foi tão grande. O que quer que já tenhamos sido, nós não somos mais uma nação cristã. Pelo menos, não somente. Nós somos também uma nação judaica, uma nação muçulmana, uma nação budista, uma nação hindu, e uma nação de não crentes.

E mesmo se nós tivéssemos apenas cristãos entre nós, se expulsássemos todos os não-cristãos dos Estados Unidos da América, o cristianismo de quem nós ensinaríamos nas escolas? Seria o de *James Dobson ou de Al Sharpton? Que passagens da Bíblia deveriam direcionar nossas políticas públicas? Deveríamos escolher o Levítico, que sugere que a escravidão é aceitável? E que comer frutos do mar é uma abominação? Ou poderíamos escolher Deuteronômio, que sugere apedrejar o seu filho, se ele se desviar da religião ? Ou deveríamos apenas ficar com o Sermão da Montanha ? É uma passagem tão radical, que é questionável se o nosso Departamento de Defesa sobreviveria à sua aplicação.

Então, antes de nos empolgarmos, vamos ler as nossas Bíblias. As pessoas não têm lido a Bíblia.

O que me traz ao segundo ponto: a democracia exige que os motivados pela religião traduzam suas preocupações em valores universais, ao invés de específicos a uma religião. O que eu quero dizer com isso? Ela requer que suas propostas estejam sujeitas a discussão e sejam racionalmente compreensíveis.

Eu posso ser contrário ao aborto por razões religiosas, por exemplo, mas se eu pretendo aprovar uma lei proibindo a prática, não posso simplesmente justificar isso com ensinamentos da minha igreja ou evocar a vontade divina. Tenho que explicar por que o aborto viola algum princípio acessível a pessoas de todas as crenças, incluindo aqueles sem crença alguma.

Agora, isto vai ser difícil para aqueles que acreditam na infalibilidade da Bíblia, como muitos evangélicos, mas em uma sociedade pluralista, nós não temos escolha. A política depende de nossa habilidade de persuadir uns aos outros sobre objetivos comuns com base em uma realidade comum. Isso envolve negociação, a arte do possível. Em algum nível fundamental, a religião não permite concessões. É a arte do impossível.

Se Deus falou, espera-se que seus seguidores vivam de acordo com sua lei, a despeito das conseqüências. Agora, basear a vida de uma pessoa em compromissos tão inflexíveis pode ser sublime, mas basear nossas decisões políticas em tais compromissos seria algo perigoso. E se você duvida disso, deixe-me dar um exemplo: Nós todos conhecemos a história de Abraão e Isaac. Abraão foi ordenado por Deus a sacrificar seu único filho, e sem discutir, ele leva Isaac ao topo da montanha e o amarra no altar. Levanta sua faca, pronto para agir, como Deus mandou. Sabemos que as coisas deram certo: Deus envia um anjo para interceder bem no último minuto. Abraão passa no teste de devoção a Deus. Mas é razoável dizer que, se qualquer um de nós, ao sair desta igreja, visse Abraão no telhado de um prédio, levantando sua faca, no mínimo chamaríamos a polícia. E esperaríamos que o Departamento de Serviços às Crianças e à Família tirasse de Abraão a guarda de Isaac. Faríamos isso porque não ouvimos o que Abraão ouve, nós não vemos o que Abraão vê.

Então, o melhor que podemos fazer é agir de acordo com aquilo que todos vemos e que todos ouvimos, conforme a lei ou as idéias básicas. Então, todos temos algum trabalho para fazer aqui, mas tenho esperança que podemos transpor o hiato que existe e superar o preconceito que todos nós, em maior ou menor grau, trazemos a este debate. E eu tenho fé que milhões de devotos americanos querem que isso aconteça. Não importa quão religiosos eles possam ser ou não ser, as pessoas estão cansadas de ver a fé ser utilizada como ferramenta de ataque.


Elas não querem que a fé seja usada para depreciar ou dividir. Porque, no fim, não é dessa forma que elas vêem a fé em suas próprias vidas.”


*
Nota explicativa:

James Dobson é um radialista evangélico conservador defensor dos valores da família cristã e da instituição do casamento, condena veementemente o aborto, é contra a legalização do casamento gay e também contra as leis anti-homofobia. Em oposição a Dobson, o reverendo Al Sharpton que também é radialista é um religioso mais progressista e conhecido defensor dos direitos civis.


Discurso proferido em 28 de junho de 2006, em Washington, DC, pelo presidente Barack Obama quando ainda era senador, em um templo da igreja Call to Renewal (Chamada para a Renovação), instituição formada por cristãos que lutam por justiça social e paz. Texto transcrito das legendas do vídeo com algumas correções. Vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=_IHQr4Cdx88

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