terça-feira, 3 de abril de 2012

Bastidores do Brasil em 2002 ou 2012?

Capa livro Devassos no Paraíso: edição revista e ampliada

Em 2002, o escritor, jornalista, dramaturgo e militante LGBT João Silvério Trevisan, um dos fundadores do Grupo Somos, lançou uma edição revista e ampliada do seu livro Devassos no Paraíso. Sem exageros, essa obra de Trevisan pode ser considerada leitura essencial para quem quer entender a história do surgimento do movimento LGBT brasileiro. Em Cinema Íris e os bastidores do Brasil, nome do capítulo introdutório de seu livro, Trevisan relata fatos que, apesar de terem sido escritos há exatamente uma década - levando em consideração o ano de lançamento dessa nova edição - parecem ter sido escritos observando a atual realidade em que vivem os homossexuais brasileiros. Para ilustrar a grande semelhança do que escreveu Trevisan há uma década com os fatos que acontecem em 2012 transcrevi abaixo um trecho do capítulo do livro e no final postei links de acontecimentos atuais. A leitura desse trecho escrito há dez anos por Trevisan nos serve como alerta do quanto o Brasil, seja nos aspectos políticos como nos de comportamento, parece permanecer estagnado no que se refere à realidade vivenciada por seus homossexuais.


Bastidores do Brasil em 2002 por João Silvério Trevisan


Cinema Íris e os bastidores do Brasil


Já dizia o poeta italiano Pier Paolo Pasolini que o tabu da homossexualidade é um dos mais sólidos ferrolhos morais das sociedades pós-industriais, com base em novos e velhos argumentos. Além de ser inútil para reprodução da espécie, a pratica homossexual solaparia a família (em cujo seio se geram novos consumidores) e seus padrões ideológicos (cuja ordem é consumir). Se hoje talvez pareça impensável o extermínio maciço de homossexuais, como ocorreu no passado em nome de certa pureza de costumes, o que temos em lugar do triangulo rosa nazista é uma generalizada desqualificação moral, de modo que “o homossexual continua vivendo num universo concentracionário, sob o rígido controle da moral dominante”, nas palavras de Pasolini. E eu acrescentaria: sob o controle também da mentalidade empresarial, em época de globalização do mercado. Na verdade, neste final de século o vácuo político-ideológico, a crise do capitalismo e a recrudescência dos credos religiosos institucionalizados criaram terreno fértil para as execrações morais, insufladas agora por um milenarismo de olho no capital.

Resolução do Conselho Federal de Medicina que estendeu o benefício da reprodução assistida para
"todas as pessoas capazes" possibilitou que o casal Mailton e Vinícius realizasse o sonho de formar
família. Maria Tereza com seus pais e sua avó foi registrada com dupla paternidade.
E a homossexualidade pode ser alvo fácil de um novo fundamentalismo político-empresarial – que a torna bode expiatório da generalizada crise de esgotamento moral dos nossos dias e, assim, une bancadas políticas díspares de evangélicos, ruralistas e católicos contra a “decadência moral”. Sobretudo após a derrocada do sistema político comunista, generalizaram-se e se radicalizaram as regras de consumo nas sociedades de economia globalizada, tornando hegemônicas as leis de mercado, no mundo todo. O que importa mais do que nunca é o consumo, de modo que a própria moral passou, em certa medida, depender do mercado – como mostram as incursões “avançadas” da TV Globo na área dos costumes. O casal guei da novela A Próxima vítima (1995) certamente tornou-se possível porque pesquisas indicaram que o filão homossexual apresenta enorme potencial consumidor, mas também por causa do crescimento de audiência sempre que uma “coisa proibida” vai ao ar – e ainda assim, de modo asséptico, quer dizer, sem escandalizar o público com cenas “explícitas”, fartamente mostradas na telinha quando de trata de casais heterossexuais. A fragilidade dessa “aceitação” fica evidente se lembramos que o consumismo das sociedades industriais é autofágico: assim como o quadro político-econômico baseia-se no oportunismo do lucro, o consumo funciona como uma faca de dois gumes. Nesse sentido, não é contradição, mas corolário lógico que uma bancada rica e poderosa como a dos evangélicos representados no Congresso Nacional imponha à nação brasileira propostas reacionárias que deveriam ser consideradas historicamente superadas, por causa da sua clara inspiração sectária e antidemocrática.

Membros da Frente Parlamentar Evangélica protestam contra decisão do STF que reconheceu a união civil homoafetiva
No caso de muitas religiões neopentecostais, por exemplo, o controle moral está firmemente ancorado numa mentalidade voltada para o lucro material, por mais impensável que isso pudesse parecer, considerando o puritanismo dos pentecostais históricos. Veja-se o caso da Igreja Universal do Reino de Deus: a mediação com o divino passa pela troca de favores (“Deus lhe dará em dobro o que você der para sua igreja”) e pelo firme controle moral (“tire o demônio de dentro de você”), que chega a se processar através de exorcismos públicos. Assim, em nome de um novo consumo – agora religioso – a homofobia comparece, com redobrada virulência, através desses empresários da fé e da moral. E os fatos não se restringiram a meros ataques verbais: em Salvador abriu-se um centro evangélico para “recuperação” de homossexuais, liderado por um vereador local, enquanto em São Gonçalo (estado do Rio de Janeiro) foi criada uma igreja evangélica especializada em “curar” homossexuais, cujo objetivo manifesto é fazer o pecador sentir desejo por mulher.

TREVISAN, João Silvério. Cinema Iris e os bastidores do Brasil. In:____. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. 5. ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 19.

Bastidores do Brasil em 2012

09/01/2012: Bispo Edir Macedo (IURD) comete charlatanismo ao 'curar' gay e'queimar' Aids

Com gritaria típica de sessões de exorcismo, Edir Macedo (IURD), com o auxílio de dois pastores, promete “queimar” enfermidades e Aids de um rapaz, além de expurgar os “espíritos imundos”, entre os quais o da homossexualidade. 
http://www.paulopes.com.br/2012/01/macedo-volta-cometer-charlatanismo-ao.html

Sem afeto, beijo ou identidade: no final da novela autor mostra apenas os pés do amante de Crô. 
12/01/2012: Marcelo Serrado e o perigo do beijo gay

Ator Marcelo Serrado interpretou personagem gay mais delicado em novela global, mas afirmou ser contra o beijo gay. Na tentativa de disfarçar a proibição da emissora em exibir demonstração de afeto ou beijo entre personagens gays o autor faz suspense durante o desenrolar da trama, mas esconde a “coisa proibida” - como disse Trevisan - num falso clima de mistério para justificar a não revelação do amante do personagem Crô mostrando apenas seus pés.

28/02/2012: Intolerância: Deputado do PSDB cria projeto para ‘curar gays’

Contrariando a Resolução 001/99 do Conselho Federal de psicologia que veda o tratamento da homossexualidade, deputado federal João Campos (PSDB-GO), líder da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara cria projeto que pretende permitir que a homossexualidade seja tratada como um transtorno passível de cura.

01/03/2012: Não sei colocar minhoca em anzol, diz novo ministro da Pesca

Marcello Crivella (PRB/RJ), membro da Frente Parlamentar Evangélica declaradamente contra os direitos civis de LGBT é escolhido como ministro da Pesca do governo Dilma Rousseff e representa a ascensão dos religiosos ultraconservadores ao poder Central.  

08/02/2012: Após 'Dia do Orgulho Hétero', vereador de SP quer banheiro gay

27/03/12: Ecce homo ( sobre projeto que propõe a criação do "Dia do Orgulho Hétero" no RJ)  

Uma nova onda de iniciativas homofóbicas agita as Câmaras Municipais de São Paulo e Rio de Janeiro. Imitando a iniciativa do vereador Carlos Apolinário (DEM/SP) membro da Frente Parlamentar Evangélica, Carlos Bolsonaro (PP/RJ) criou também uma versão carioca do Dia do Orgulho Heterossexual além de outro projeto que proíbe a distribuição de materiais sobre diversidade sexual nas escolas públicas da cidade.

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/ecce-homo/

Contrariando a laicidade do Estado Frente Parlamentar Evangélica realiza culto no Plenário da Câmara Federal 

21.03.2012: Evangélicos e ruralistas podem selar casamento

27.03.2012:  A vitória das bancadas ruralista e religiosa

Um antigo flerte entre as duas bancadas mais representativas do Congresso, a Frente Parlamentar Evangélica e a Bancada Ruralista está prestes a virar casamento. Juntas, as duas bancadas podem reunir 170 votos, o que representa 33% do parlamento. É quase o dobro da bancada do PT (85 deputados), a maior da Casa. Congressistas que representam os interesses dos grandes produtores rurais e dos líderes religiosos conquistaram grande evidência nos últimos meses, impondo uma série de derrotas ao governo federal.

Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD): “Minha intenção não é abençoar as pessoas, mas a minha [...] intenção é trazer um resultado pra Igreja [...] minha intenção é subir com a igreja materialmente”

Foto postada no Grupo LGBT Brasil no Facebook