quinta-feira, 18 de novembro de 2010

*“Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós...Se é loucura... se é verdade tanto horror perante os céus?!”

Estatísticas do Grupo Gay da Bahia (GGB) revelam que a cada dois dias um homossexual é morto no Brasil vítima da homofobia. O levantamento de 2009 revelou que 198 homossexuais foram assassinados no Brasil, nove a mais que em 2008 (189 mortes) e um aumento de 61% em relação a 2007 (122). É preciso considerar que nessa contagem do GGB entram apenas aqueles assassinatos que são noticiados pela imprensa. O aumento a cada ano do número de assassinatos de homossexuais no Brasil mostra claramente um recrudescimento da homofobia no país, mas infelizmente ainda não existe nenhuma lei federal que possa punir os autores desses crimes. Além da ausência do Estado no que diz respeito a leis que possam criminalizar a homofobia, assistimos uma onda crescente de manifestações cada vez mais claras de preconceito explícito vindo dos mais diversos lugares e instituições.

Num passado recente os militares gays do Exército, Fernando Alcântara e Laci Araújo, concederam uma entrevista para uma revista revelando a sua condição de casal e depois disso Fernando acabou ficando preso por 8 dias e foi afastado de suas funções. Ao sair da prisão Fernando disse:

"Sofri uma prisão disciplinar extremamente grave. E o que eu fiz foi dizer que sou gay e que vivo em situação conjugal com um companheiro de farda"

Laci Araújo, companheiro de Fernando, foi preso sob alegação de deserção, mas segundo juristas essa hipótese seria descaracterizada pois o mesmo se encontrava vivendo em residência dentro da vila militar.

Em junho desse ano o garoto Alexandre Thomé Ivo Rajão, de apenas 14 anos, foi barbaramente assassinado por um suposto grupo de skinheads que pregam o ódio contra homossexuais e negros. O garoto foi seqüestrado, torturado e morto, teve seu rosto desfigurado, mas os acusados do crime foram todos colocados em liberdade. Os dois acusados do crime foram libertados no dia 27 de agosto e um terceiro acusado, André Luiz, 23, já estava em liberdade desde o início de agosto, já que o Ministério Público acredita não haver provas suficientes contra ele. Enquanto assistimos perplexos essa onda de intolerância e violência contra homossexuais, se arrasta a bastante tempo no Congresso Nacional o Projeto de Lei da Câmara 122/2006 que pretende tornar crime a discriminação motivada por orientação sexual, assim como aconteceu com o racismo.



Nas recentes eleições o PLC 122/2006 foi usado como moeda de troca por votos de cristãos fundamentalistas e pelo apoio de líderes notoriamente homofóbicos. O candidato José Serra prometeu para líderes religiosos que vetaria o projeto caso ele fosse aprovado pelo senado onde hoje tramita. Dilma Rousseff disse que sancionaria o projeto nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão. Como é praticamente consenso entre advogados que conhecem o texto de que ele não fere essas liberdades, fica apenas a esperança que talvez o PLC 122/2006 possa ser sancionado pela então presidente, caso o Senado resolva aprová-lo.

E é justamente no pós eleição - onde as questões relacionadas com os direitos dos homossexuais foram tratadas com desprezo, evasivas e até promessas de vetos para agradar líderes religiosos fundamentalistas - é que assistimos o preconceito homofóbico mostrar toda a sua força e fazer mais vítimas. Em pouco mais de um dia dois crimes motivados por homofobia vieram a público, mesmo que seja possível perceber que apesar da gravidade esses casos dos rapazes gays agredidos não tenham merecido a mesma cobertura que a imprensa costuma dar para casos semelhantes. Em São Paulo na manhã de domingo (14/10) 5 jovens atacaram dois rapazes, um deles ficou com vários ferimentos no rosto depois de ser agredido com lâmpadas fluorescentes que foram usadas como arma, o outro rapaz também ferido precisou ser hospitalizado. O mesmo grupo de 5 rapazes fez um segundo ataque logo depois, contra outro rapaz, que não sofreu ferimentos e não precisou de atendimento médico.

Em declarações na imprensa o delegado que recebeu a denúncia disse que o crime pode ter sido motivado por preconceito. Segundo algumas testemunhas, um dos agressores gritou durante o primeiro ataque:

"Suas bichas, vocês são namorados. Vocês estão juntos".


No Rio de Janeiro, no final do mesmo domingo, Douglas Igor Marques, estudante, 19 anos, foi baleado depois de ter participado da Parada de Orgulho Gay da cidade. Segundo a sua mãe, Douglas estava com um grupo de amigos gays conversando e alguns namorando nas pedras do arpoador, quando foram abordados por militares do Exército, por volta de meia noite e meia. Douglas disse que foi humilhado, agredido e xingado por um grupo de três homens com fardas do Exército no Parque Garota de Ipanema e depois foi jogado no chão e baleado por um deles na barriga. Num dos relatos do estudante o ódio homofóbico fica evidente:


“Começaram a ofender, xingar, dizendo que, se pudessem, eles mesmos matariam cada um de nós com as próprias mãos, porque é uma raça desgraçada e tal... humilhar, bater entre outras coisas. Foi quando um deles me empurrou no chão e atirou. Eu caí sentado e ele atirou na minha
barriga"


Diante desse horror ficam os seguintes questionamentos:

Ao tratarem com desdém as questões LGBT se mostrando cegos para a realidade de violência que enfrenta essa parcela da população e da desigualdade de seus direitos no país, não teria , os hoje ex-candidatos - que pleiteavam o maior posto do executivo brasileiro - contribuído com essa atitude para o fortalecimento do conservadorismo e consequentemente com o recrudescimento da violência homofóbica?

Não teria os acordos selados pelos então candidatos com cristãos fundamentalistas homofóbicos - que confundem liberdade de culto e expressão com direito divino à impunidade para continuar incitando o ódio contra os homossexuais
, - influenciado de alguma maneira nessa violência toda contra os LGBTs?

Será que o ex-candidato José Serra ter prometido vetar o PLC 122/2006 e colocado em evidência para todo o país em seu horário eleitoral na TV, pastores conhecidamente homofóbicos como Silas Malafaia não encorajou de alguma forma muitos homofóbicos a partirem da agressão verbal tão cotidiana para a violência física contra os homossexuais?

Diante de toda essa violência e de quase 200 homossexuais assassinados no ano passado e enquanto a lei contra a homofobia permanece paralisada no Senado, as Igrejas dão as suas contribuições para que esses crimes continuem acontecendo impunemente. Dessa vez, a defesa da impunidade dos crimes praticados contra homossexuais veio da Igreja Presbiteriana através da sua universidade Mackenzie. Menos de 2 dias após os ataques dos 5 rapazes que feriram 2 jovens gays em São Paulo e de outro gay ter sido baleado no Rio de Janeiro, a universidade Mackenzie da Igreja Presbiteriana, lançou manifesto se posicionando contra a aprovação da lei que pretende criminalizar justamente crimes como esses acontecidos nos 2 dois estados contra homossexuais e que ocorrem em todo o país.


Diante de toda essa sorte de desgraças contra as homossexualidades e os homossexuais não me vem à cabeça outros versos que não sejam esses de Castro Alves que relata o horror da escravidão vista sob os espectros dos navios negreiros.

*“Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?”
*Verso do poema “Navio negreiro” de Castro Alves

Fontes:
Família de Alexandre Ivo pede Justiça em São Gonçalo

Revista Lado A

Revista A Capa

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NOTA OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS(ABGLT) CONTRA A VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA

No último domingo (14/11/2010) foram noticiados em cadeia nacional dois casos separados de atos extremos de violência contra homossexuais.

Em São Paulo, em plena Avenida Paulista, um grupo de cinco jovens perpetrou dois ataques diferentes que, segundo testemunhas, foram gratuitos e caracterizados como homofóbicos pelos xingamentos feitos pelos atacantes.
No Rio de Janeiro, após a 15ª Parada LGBT, um jovem gay foi baleado no estômago no Arpoador, também gratuitamente. Segundo a vítima, o agressor é um militar que trabalha nas redondezas, no Forte de Copacabana.
Felizmente, desta vez, nenhuma das vítimas morreu.
Para a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), estes casos, infelizmente, são apenas a ponta de um imenso iceberg, e ganharam visibilidade nacional inusitada, porém bem-vinda.
Diariamente, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) sofrem violência desta natureza em nosso país. E pior, a cada dois dias, em média, uma pessoa LGBT é assassinada no Brasil, segundo dados do Grupo Gay da Bahia.
Portanto, a ABGLT vem se manifestar, mais uma vez, pelo fim imediato de toda e qualquer violência homofóbica, e pela promoção de uma cultura de paz e respeito à diversidade, conclamando:
Ao Poder Executivo, em todos os níveis, que tome as medidas cabíveis e apure os fatos destes e de outros crimes de violência cometidos contra LGBT, identificando e punindo exemplarmente os culpados, sem deixar os crimes impunes. A impunidade gera mais violência.
Que o Governo Federal acelere a implementação do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT.
Que os governos estaduais e municipais elaborem e também implantem seus planos de combate à homofobia.
Que promova a educação para o respeito à diversidade sexual, para que as novas gerações possam aprender a conviver com e respeitar as diferenças.
Que promova no âmbito estadual e municipal, eventos de sensibilização de agentes da segurança pública, como o II Seminário de Segurança Pública para LGBT, que na semana passada no Rio de Janeiro capacitou 150 policiais de todo o país em questões específicas à segurança da população LGBT.
Ao Congresso Nacional, que aprove legislação específica contra toda e qualquer forma de discriminação no Brasil, inclusive a discriminação homofóbica, e que certos parlamentares deixem de afirmar que a população LGBT não precisa de legislação que a proteja desta forma. Os fatos sobre a violência e a discriminação contra LGBT estão expostos, é hora de agir e cumprir o papel de legisladores eleitos para representar todos e todas os/as brasileiros/as, sem distinção.
O Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006 está tramitando no Congresso Nacional desde 2001 (P/L 5003/2001). São nove anos de inércia e desrespeito à população LGBT, nove anos de incentivo à continuação da violência e discriminação contra LGBT, nove anos de endosso da impunidade.
Em parceria com diversas instituições, com o intuito de despertar para este cenário, nos dias 23 e 24 de novembro, a ABGLT estará apoiando a realização de três eventos consecutivos no Congresso Nacional: o Seminário Escola Sem Homofobia, a Audiência Pública Bullying Homofóbico nas Escolas, e o Seminário sobre os Assassinatos de LGBT.
Ao Judiciário, que continue julgando favoravelmente as demandas pela igualdade de direitos, condenando os casos de homofobia, punindo de forma rigorosa a violação dos direitos humanos de LGBT.
Que continue baseando suas decisões nos preceitos constitucionais da não-discriminação, da dignidade humana, da intimidade, da segurança e do direito à vida.
Aos Religiosos, que ajudem a semear a cultura da paz e do amor ao próximo. E que determinados religiosos fundamentalistas parem imediatamente de incitar a discriminação e o ódio contra as pessoas LGBT, ao nos categorizarem como “doentes” ou “anormais”.
Temos testemunhado que essa intolerância pregada por setores fundamentalistas cristãos tem sido transformada em violência extrema. A pregação religiosa que ataca os homossexuais acaba por legitimar atitudes de ódio.
Infelizmente, temos assistido a uma onda conservadora, que ganhou contornos fortes na campanha presidencial. Ela atinge mulheres, negros, nordestinos e LGBT.
É preciso dar um basta a todo e qualquer tipo de preconceito. Vivemos em um país democrático, onde a igualdade e a não-discriminação são preceitos fundamentais. Esta violência há de parar. A vida humana não pode ser banalizada desta e nem de qualquer outra forma.
Que a sociedade brasileira se conscientize da gravidade do problema da homofobia e da difusão de preconceitos. E que o Estado brasileiro aja para garantir direitos e reprimir exemplarmente atitudes de violência e discriminação.
Por uma cultura de paz e respeito à diversidade.


ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

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