quinta-feira, 18 de novembro de 2010

*“Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós...Se é loucura... se é verdade tanto horror perante os céus?!”

Estatísticas do Grupo Gay da Bahia (GGB) revelam que a cada dois dias um homossexual é morto no Brasil vítima da homofobia. O levantamento de 2009 revelou que 198 homossexuais foram assassinados no Brasil, nove a mais que em 2008 (189 mortes) e um aumento de 61% em relação a 2007 (122). É preciso considerar que nessa contagem do GGB entram apenas aqueles assassinatos que são noticiados pela imprensa. O aumento a cada ano do número de assassinatos de homossexuais no Brasil mostra claramente um recrudescimento da homofobia no país, mas infelizmente ainda não existe nenhuma lei federal que possa punir os autores desses crimes. Além da ausência do Estado no que diz respeito a leis que possam criminalizar a homofobia, assistimos uma onda crescente de manifestações cada vez mais claras de preconceito explícito vindo dos mais diversos lugares e instituições.

Num passado recente os militares gays do Exército, Fernando Alcântara e Laci Araújo, concederam uma entrevista para uma revista revelando a sua condição de casal e depois disso Fernando acabou ficando preso por 8 dias e foi afastado de suas funções. Ao sair da prisão Fernando disse:

"Sofri uma prisão disciplinar extremamente grave. E o que eu fiz foi dizer que sou gay e que vivo em situação conjugal com um companheiro de farda"

Laci Araújo, companheiro de Fernando, foi preso sob alegação de deserção, mas segundo juristas essa hipótese seria descaracterizada pois o mesmo se encontrava vivendo em residência dentro da vila militar.

Em junho desse ano o garoto Alexandre Thomé Ivo Rajão, de apenas 14 anos, foi barbaramente assassinado por um suposto grupo de skinheads que pregam o ódio contra homossexuais e negros. O garoto foi seqüestrado, torturado e morto, teve seu rosto desfigurado, mas os acusados do crime foram todos colocados em liberdade. Os dois acusados do crime foram libertados no dia 27 de agosto e um terceiro acusado, André Luiz, 23, já estava em liberdade desde o início de agosto, já que o Ministério Público acredita não haver provas suficientes contra ele. Enquanto assistimos perplexos essa onda de intolerância e violência contra homossexuais, se arrasta a bastante tempo no Congresso Nacional o Projeto de Lei da Câmara 122/2006 que pretende tornar crime a discriminação motivada por orientação sexual, assim como aconteceu com o racismo.



Nas recentes eleições o PLC 122/2006 foi usado como moeda de troca por votos de cristãos fundamentalistas e pelo apoio de líderes notoriamente homofóbicos. O candidato José Serra prometeu para líderes religiosos que vetaria o projeto caso ele fosse aprovado pelo senado onde hoje tramita. Dilma Rousseff disse que sancionaria o projeto nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão. Como é praticamente consenso entre advogados que conhecem o texto de que ele não fere essas liberdades, fica apenas a esperança que talvez o PLC 122/2006 possa ser sancionado pela então presidente, caso o Senado resolva aprová-lo.

E é justamente no pós eleição - onde as questões relacionadas com os direitos dos homossexuais foram tratadas com desprezo, evasivas e até promessas de vetos para agradar líderes religiosos fundamentalistas - é que assistimos o preconceito homofóbico mostrar toda a sua força e fazer mais vítimas. Em pouco mais de um dia dois crimes motivados por homofobia vieram a público, mesmo que seja possível perceber que apesar da gravidade esses casos dos rapazes gays agredidos não tenham merecido a mesma cobertura que a imprensa costuma dar para casos semelhantes. Em São Paulo na manhã de domingo (14/10) 5 jovens atacaram dois rapazes, um deles ficou com vários ferimentos no rosto depois de ser agredido com lâmpadas fluorescentes que foram usadas como arma, o outro rapaz também ferido precisou ser hospitalizado. O mesmo grupo de 5 rapazes fez um segundo ataque logo depois, contra outro rapaz, que não sofreu ferimentos e não precisou de atendimento médico.

Em declarações na imprensa o delegado que recebeu a denúncia disse que o crime pode ter sido motivado por preconceito. Segundo algumas testemunhas, um dos agressores gritou durante o primeiro ataque:

"Suas bichas, vocês são namorados. Vocês estão juntos".


No Rio de Janeiro, no final do mesmo domingo, Douglas Igor Marques, estudante, 19 anos, foi baleado depois de ter participado da Parada de Orgulho Gay da cidade. Segundo a sua mãe, Douglas estava com um grupo de amigos gays conversando e alguns namorando nas pedras do arpoador, quando foram abordados por militares do Exército, por volta de meia noite e meia. Douglas disse que foi humilhado, agredido e xingado por um grupo de três homens com fardas do Exército no Parque Garota de Ipanema e depois foi jogado no chão e baleado por um deles na barriga. Num dos relatos do estudante o ódio homofóbico fica evidente:


“Começaram a ofender, xingar, dizendo que, se pudessem, eles mesmos matariam cada um de nós com as próprias mãos, porque é uma raça desgraçada e tal... humilhar, bater entre outras coisas. Foi quando um deles me empurrou no chão e atirou. Eu caí sentado e ele atirou na minha
barriga"


Diante desse horror ficam os seguintes questionamentos:

Ao tratarem com desdém as questões LGBT se mostrando cegos para a realidade de violência que enfrenta essa parcela da população e da desigualdade de seus direitos no país, não teria , os hoje ex-candidatos - que pleiteavam o maior posto do executivo brasileiro - contribuído com essa atitude para o fortalecimento do conservadorismo e consequentemente com o recrudescimento da violência homofóbica?

Não teria os acordos selados pelos então candidatos com cristãos fundamentalistas homofóbicos - que confundem liberdade de culto e expressão com direito divino à impunidade para continuar incitando o ódio contra os homossexuais
, - influenciado de alguma maneira nessa violência toda contra os LGBTs?

Será que o ex-candidato José Serra ter prometido vetar o PLC 122/2006 e colocado em evidência para todo o país em seu horário eleitoral na TV, pastores conhecidamente homofóbicos como Silas Malafaia não encorajou de alguma forma muitos homofóbicos a partirem da agressão verbal tão cotidiana para a violência física contra os homossexuais?

Diante de toda essa violência e de quase 200 homossexuais assassinados no ano passado e enquanto a lei contra a homofobia permanece paralisada no Senado, as Igrejas dão as suas contribuições para que esses crimes continuem acontecendo impunemente. Dessa vez, a defesa da impunidade dos crimes praticados contra homossexuais veio da Igreja Presbiteriana através da sua universidade Mackenzie. Menos de 2 dias após os ataques dos 5 rapazes que feriram 2 jovens gays em São Paulo e de outro gay ter sido baleado no Rio de Janeiro, a universidade Mackenzie da Igreja Presbiteriana, lançou manifesto se posicionando contra a aprovação da lei que pretende criminalizar justamente crimes como esses acontecidos nos 2 dois estados contra homossexuais e que ocorrem em todo o país.


Diante de toda essa sorte de desgraças contra as homossexualidades e os homossexuais não me vem à cabeça outros versos que não sejam esses de Castro Alves que relata o horror da escravidão vista sob os espectros dos navios negreiros.

*“Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?”
*Verso do poema “Navio negreiro” de Castro Alves

Fontes:
Família de Alexandre Ivo pede Justiça em São Gonçalo

Revista Lado A

Revista A Capa

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NOTA OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS(ABGLT) CONTRA A VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA

No último domingo (14/11/2010) foram noticiados em cadeia nacional dois casos separados de atos extremos de violência contra homossexuais.

Em São Paulo, em plena Avenida Paulista, um grupo de cinco jovens perpetrou dois ataques diferentes que, segundo testemunhas, foram gratuitos e caracterizados como homofóbicos pelos xingamentos feitos pelos atacantes.
No Rio de Janeiro, após a 15ª Parada LGBT, um jovem gay foi baleado no estômago no Arpoador, também gratuitamente. Segundo a vítima, o agressor é um militar que trabalha nas redondezas, no Forte de Copacabana.
Felizmente, desta vez, nenhuma das vítimas morreu.
Para a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), estes casos, infelizmente, são apenas a ponta de um imenso iceberg, e ganharam visibilidade nacional inusitada, porém bem-vinda.
Diariamente, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) sofrem violência desta natureza em nosso país. E pior, a cada dois dias, em média, uma pessoa LGBT é assassinada no Brasil, segundo dados do Grupo Gay da Bahia.
Portanto, a ABGLT vem se manifestar, mais uma vez, pelo fim imediato de toda e qualquer violência homofóbica, e pela promoção de uma cultura de paz e respeito à diversidade, conclamando:
Ao Poder Executivo, em todos os níveis, que tome as medidas cabíveis e apure os fatos destes e de outros crimes de violência cometidos contra LGBT, identificando e punindo exemplarmente os culpados, sem deixar os crimes impunes. A impunidade gera mais violência.
Que o Governo Federal acelere a implementação do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT.
Que os governos estaduais e municipais elaborem e também implantem seus planos de combate à homofobia.
Que promova a educação para o respeito à diversidade sexual, para que as novas gerações possam aprender a conviver com e respeitar as diferenças.
Que promova no âmbito estadual e municipal, eventos de sensibilização de agentes da segurança pública, como o II Seminário de Segurança Pública para LGBT, que na semana passada no Rio de Janeiro capacitou 150 policiais de todo o país em questões específicas à segurança da população LGBT.
Ao Congresso Nacional, que aprove legislação específica contra toda e qualquer forma de discriminação no Brasil, inclusive a discriminação homofóbica, e que certos parlamentares deixem de afirmar que a população LGBT não precisa de legislação que a proteja desta forma. Os fatos sobre a violência e a discriminação contra LGBT estão expostos, é hora de agir e cumprir o papel de legisladores eleitos para representar todos e todas os/as brasileiros/as, sem distinção.
O Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006 está tramitando no Congresso Nacional desde 2001 (P/L 5003/2001). São nove anos de inércia e desrespeito à população LGBT, nove anos de incentivo à continuação da violência e discriminação contra LGBT, nove anos de endosso da impunidade.
Em parceria com diversas instituições, com o intuito de despertar para este cenário, nos dias 23 e 24 de novembro, a ABGLT estará apoiando a realização de três eventos consecutivos no Congresso Nacional: o Seminário Escola Sem Homofobia, a Audiência Pública Bullying Homofóbico nas Escolas, e o Seminário sobre os Assassinatos de LGBT.
Ao Judiciário, que continue julgando favoravelmente as demandas pela igualdade de direitos, condenando os casos de homofobia, punindo de forma rigorosa a violação dos direitos humanos de LGBT.
Que continue baseando suas decisões nos preceitos constitucionais da não-discriminação, da dignidade humana, da intimidade, da segurança e do direito à vida.
Aos Religiosos, que ajudem a semear a cultura da paz e do amor ao próximo. E que determinados religiosos fundamentalistas parem imediatamente de incitar a discriminação e o ódio contra as pessoas LGBT, ao nos categorizarem como “doentes” ou “anormais”.
Temos testemunhado que essa intolerância pregada por setores fundamentalistas cristãos tem sido transformada em violência extrema. A pregação religiosa que ataca os homossexuais acaba por legitimar atitudes de ódio.
Infelizmente, temos assistido a uma onda conservadora, que ganhou contornos fortes na campanha presidencial. Ela atinge mulheres, negros, nordestinos e LGBT.
É preciso dar um basta a todo e qualquer tipo de preconceito. Vivemos em um país democrático, onde a igualdade e a não-discriminação são preceitos fundamentais. Esta violência há de parar. A vida humana não pode ser banalizada desta e nem de qualquer outra forma.
Que a sociedade brasileira se conscientize da gravidade do problema da homofobia e da difusão de preconceitos. E que o Estado brasileiro aja para garantir direitos e reprimir exemplarmente atitudes de violência e discriminação.
Por uma cultura de paz e respeito à diversidade.


ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Tea Party à brasileira


Tea Party é um movimento norte-americano de extrema direita, que tem o nome inspirado no motim de 1773 feito pelos colonos americanos que, descontentes com os impostos do governo britânico, jogaram cargas de chá no porto de Boston. Esse movimento ultra-conservador surgiu após a derrota dos republicanos frente aos democratas na eleição que sucedeu George W. Bush e que o democrata Barack Obama venceu o republicano John MacCain. A conservadora ex -governadora do Estado do Alasca, Sarah Palin, vice de MacCain na época, após perder a eleição para Obama despontou como ícone desse movimento da ala ultra-conservadora do partido republicano que se posiciona contra as políticas do governo Obama e também são contra os direitos dos homossexuais, contra o aborto, os imigrantes e carrega forte ranço racista e xenofóbico. Nas recentes eleições legislativas no EUA, os representantes do Tea Party entraram como vencedores no congresso norte-americano ao conseguirem eleger 2 senadores ultra-conservadores e o partido republicano ter conquistado maioria na Câmara dos Representantes.


Movimento similar ao Tea Party também vem acontecendo no Brasil e já no primeiro turno da eleição presidencial poderia ser observado, mas se torna mais evidente no segundo turno. Essa força conservadora pode também ser notada através das reações de alguns grupos após o resultado final das eleições em que saiu vencedora a candidata Dilma Rousseff. Nas recentes eleições brasileiras as forças conservadoras também se fizeram presentes se posicionando contra a legalização do aborto, contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Defenderam também a participação das igrejas na política e defenderam a liberdade de crença e de expressão como se elas corressem algum risco caso a candidata petista fosse eleita, mesmo que em nenhum momento a candidata petista tenha se pronunciado contra essas liberdades que são garantidas pela Constituição Federal. O candidato José Serra para alegria dos ultra-conservadores chegou a se comprometer, dizendo que caso eleito, vetaria o PLC 122/2006 que tornaria crime atos de discriminação motivados por orientação sexual.


Também se ouviu muitas manifestações em defesa da liberdade de imprensa, principalmente por parte daqueles meios de comunicação que se posicionaram a favor do candidato José Serra e que usaram a grade de suas programações e espaços de publicação como extensão do horário eleitoral do candidato peessedebista. O jornal Estado de São Paulo nem fingiu imparcialidade, mas assumiu formalmente em editorial o seu apoio à candidatura de José Serra. Outros meios de comunicação como Rede Globo e Globo News, Folha de São Paulo até fingiam certa imparcialidade, mas ficava claro a preferência e o apoio de vários jornalistas e comentaristas desses meios de comunicação pela candidatura tucana. No auge de uma onda de boataria e calúnias a respeito do aborto espalhadas na internet contra a candidata Dilma Rousseff, a revista Veja que em edição anterior já havia defendido a legalização do aborto, lançou matéria de capa mudando de posição onde claramente tentava relacionar o aborto a então candidata.

Veja edição 2186 09/10/2010 (contra o aborto) - Edição 17/09/1997 (a favor do aborto)

A polêmica sobre o aborto ter sido colocado em voga com certeza se deu pela existência de duas mulheres concorrendo à presidência da República. Mesmo com personalidades, pensamentos e histórias de vida distintas, a presença de duas mulheres entre os três candidatos com maior possibilidade para alcançar a presidência do Brasil contribuiu para que o aborto e a questão de gênero e suas implicações se tornasse um tema na campanha, mesmo que por certa imposição da campanha adversária. Se fossem apenas homens concorrendo à presidência da República com certeza o aborto não teria entrado em discussão. Mesmo que a questão de gênero não tenha sido colocada como tema central da campanha eleitoral, não há como negar que no segundo turno era uma mulher que concorria com um homem ao mais alto posto do executivo brasileiro e a então candidata Dilma não passou incólume pelo machismo e pela misoginia que infelizmente ainda se encontra presente na sociedade. Até mesmo a orientação sexual da candidata foi especulada quando vários boatos se espalharam na internet acusando Dilma de *“homossexualismo”. Espalhar boatos como esse é uma tentativa vil de usar o próprio preconceito existente na sociedade como forma de se obter vantagens. Usar a orientação sexual lésbica como se isso desabonasse uma mulher é algo abominável e constitui num duplo preconceito, a lesbofobia e o machismo juntos. Todo preconceito pode e deve ser combatido e não incentivado e usado como forma para alcançar qualquer benefício.


A candidata evangélica Marina Silva ter ficado em terceiro lugar no primeiro turno e ter conquistado uma quantidade considerável de votos, inclusive dos evangélicos, contribuiu para que a questão religiosa se tornasse mais acirrada no segundo turno da campanha. Afinal, os dois candidatos que passaram para o segundo turno disputaram esses eleitores que no primeiro turno havia votado na candidata do Partido Verde. Mas é notório que a campanha tucana também se esforçou para manter em voga os temas do aborto, do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a questão religiosa no segundo turno e fez uso desses temas com o intuito de atingir a candidata adversária e obter os votos dos eleitores mais conservadores. Muitos boatos foram “plantados” relacionando o aborto à candidata petista e segundo notícias, a campanha de José Serra chegou até mesmo a contratar um serviço de telemarketing para ligar para eleitores dizendo que a candidata Dilma era favoráve ao aborto. A questão do aborto envolveu e expôs até mesmo a esposa do candidato José Serra que segundo relatos havia dito num comício do marido que a candidata Dilma era a favor de “matar criançinhas”. Após a divulgação desse fato, ex-alunas da esposa do candidato do PSDB revelaram por uma rede social que em aula a ex-professora Mônica Serra já havia revelado ter feito um aborto no tempo em que vivia no exílio com o marido.

O ítem 5 da Carta trata do PLC 122. Clique na imagem para amplia-la

Contra a onda de denuncismos, Dilma chegou a divulgar uma carta defendendo a liberdade religiosa e se posicionando contra o aborto, mas dizendo que sancionaria o PLC 122/2006 caso seu texto não fira a liberdade de crença e expressão, o que comprovadamente não fere. O candidato do PSDB por sua vez estabeleceu alianças com as alas mais conservadoras da Igreja evangélica e chegou a colocar em seu programa eleitoral na TV dois pastores evangélicos ultraconservadores pedindo votos para ele. Um desses pastores que José Serra colocou em evidência para todo o Brasil em seu horário eleitoral é o já conhecido e ultra-homofóbico Silas Malafaia que destila todo o seu ódio contra homossexuais em seu programa televisivo bem como em outdoors afixados nas ruas. No fim da campanha, José Serra se alinha completamente com as ideias de Silas Malafia e se posiciona contra o PLC 122/2006 que criminalizaria a homofobia e prometeu veta-lo caso fosse aprovado pelo Senado onde hoje tramita.


Além da imprensa que entrou fortemente com defesas claras do candidato José Serra do PSDB, as Igrejas católicas e evangélicas também se fizeram muito presentes na campanha eleitoral brasileira. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) chegou a lançar um panfleto pedindo para que os fiéis não votassem em Dilma Rousseff dizendo que ela seria favorável ao aborto. Em claro sinal de aprovação ao panfleto lançado pela CNBB contra Dilma, o papa Bento XVI já no final da campanha do segundo turno defendeu a participação da Igreja nas questões políticas e pediu para que os bispos brasileiros orientassem seus fiéis na política.

Panfleto da CNBB orientava eleitores a não votarem em Dilma - Clique na imagem para ampliá-la
Foi o resultado final da eleição presidencial onde Dilma Rousseff saiu vencedora que mais demonstrou o quanto essa onda conservadora e preconceituosa que recrudesceu com as eleições se mostrou presente no Brasil. Logo após a divulgação do resultado final das eleições e mesmo pesquisas mostrando que a candidata do PT venceria mesmo sem os votos da região nordeste, um grupo de eleitores insatisfeitos com a derrota do candidato José Serra iniciou no Twitter, Facebook e Orkut uma campanha xenofóbica, racista, digna de neonazistas difamando o povo nordestino. Além de frases racistas, xenófóbicas e difamatórias que pediam a separação do Nordeste e Norte do restante do Brasil, os inconformados com o resultado das eleições acusavam os nordestinos por supostamente terem elegido Dilma Rousseff por causa do programa bolsa família. A estudante de direito Mayara Petruso foi além das ofensas e das inúmeras tentativas de inferiorização do povo nordestino e postou a seguinte frase em sua página no twitter “Nordestino não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!”, em sua página no Facebook postou “AFUNDA BRASIL! Deem direito de voto pros nordestinos e afundem o país de quem trabalhava para sustentar os vagabundos que fazem filho para ganhar o bolsa 171”




A universitária está sendo processada e responderá pelos crimes de racismo e incitação pública de ato delituoso, no caso, homicídio. Mas é importante constatarmos que Mayara Petruso não estava só, afinal foram centenas de pessoas que postaram nas redes sociais conteúdos preconceituosos contra os nordestinos logo após a confirmação da eleição de Dilma Rousseff. A repercussão foi tamanha que motivou até a criação do **Tumblr “Diga não à xenofobia” com o objetivo de expor as manifestações preconceituosas contra os nordestinos após o resultado da eleição. Essa onda xenófoba e racista orquestrada por jovens de classe média paulista e das regiões sudeste e sul do Brasil pode ser vista como o reflexo de uma imprensa tendenciosa, de pseudo-programas humorísticos como CQC, Casseta e Planeta, Pânico, dentre outros que influenciam negativamente na formação ética e cidadã desses adolescentes e jovens adultos. Muitos desses adolescentes e jovens e até mesmo adultos internalizam a ideia desses pseudo-programas de humor de que não há limite para se fazer piadas e chacotas preconceituosas e discriminatórias contra tudo e todos. Com uma noção de “vale tudo” e “pode tudo” fruto de uma ideia distorcida de liberdade de expressão e com a certeza de impunidade é que surgem atitudes racistas, xenófobas como as que assistimos agora contra nordestinos após as eleições e também de atitudes homofóbicas e desrespeitosas que são recorrentes contra homossexuais nesses programas e em grande parte da imprensa.


Inseridos numa cultura onde liberdade de expressão e crença muitas vezes é confundida com direito para discriminar impunemente – ideia muito difundida por religiosos ultra-conservadores que condenam e incitam o ódio contra homossexuais -, muitos adolescentes, jovens e adultos teem se alinhado com ideias das alas conservadores das Igrejas, de políticos e líderes conservadores que se posicionam contra os direitos civis e que pregam a intolerância. Esse contexto, somado a influência do “vale tudo” dos programas humorísticos onde seus redatores e pseudo-humoristas se escondem atrás do humor e da irreverência para discriminar, não resultaria em algo muito diferente desse movimento ultra-conservador que vem tomando corpo no Brasil principalmente após a campanha presidencial de 2010. Não há como negar que esse movimento brasileiro similar ao Tea Party norte-americano não tenha sido influenciado de alguma maneira pelos movimentos cristãos fundamentalistas e pelas forças ultra-conservadoras que se uniram em torno da candidatura do PSDB e do DEM à presidência da República.


Precisamos permanecer em alerta contra essa onda ultra-conservadora de extrema direita que vem conquistando corações e mentes também no Brasil e não nos calarmos diante dela. Podemos e devemos fazer uso das leis anti-racismo e anti-discriminação existentes e denunciarmos atitudes preconceituosas que tem promovido agressões verbais contra negros, nordestinos e homossexuais nas redes sociais. Os militantes LGBT precisam também urgentemente pressionar o Congresso Nacional para que seja aprovada o PLC 122/2006, que pode não acabar com o preconceito contra as homossexualidades, mas com certeza contribuirá para que os crimes motivados por razão de orientação sexual não permaneçam impunes.


*O termo correto é homossexualidade. O termo homossexualismo é arcaico e foi usado apenas num contexto em que a homossexualidade era considerada doença. 

** Diga não à xenofobia
http://xenofobianao.tumblr.com/

Outros links sobre o tema:


A vitória de Dilma e a falsa tese do "país dividido"
http://www.idelberavelar.com/archives/2010/11/a_vitoria_de_dilma_e_a_falsa_tese_do_pais_dividido.php


O preconceito que se esconde por trás do mapa vermelho e azul
http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/o-preconceito-que-se-esconde-por-tras-do-mapa-vermelho-e-azul.html


Movimento Tea Party e o fascismo à brasileira
http://www.blogcidadania.com.br/2010/11/movimento-tea-party-e-o-fascismo-a-brasileira/